Embora algumas experiências localizadas remontem
à década de 60, a reivindicação da escolha de diretores escolares por meio de
processo eletivo, em âmbito nacional, é fenômeno que se inicia nos começos da
década de 80, no contexto da redemocratização política do país. Em vários
estados, iniciam-se processos de eleição de diretores escolares na primeira
metade dessa década, com a ascensão dos primeiros governadores estaduais
eleitos após a ditadura iniciada em 1964. Em 1989, vários estados inscrevem em
suas constituições a obrigatoriedade da eleição como critério de escolha dos
diretores nas escolas públicas. Entretanto, já ao final da década de 80 e
início da de 90, verifica-se certo refluxo das eleições em alguns estados,
produto da ação de governos pouco comprometidos com a democracia, que entram
com Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra as eleições, com a clara
intenção de proteger seus interesses político-partidários identificados com
práticas clientelistas.
Apesar disso, porém, a adoção de processo
eletivo como critério para escolha de diretores expande-se em todo o país,
fazendo-se realidade em grande número de municípios e em estados onde antes
vigorava a nomeação política. Em alguns sistemas que já haviam experimentado a
escolha democrática dos diretores, como o Estado do Paraná e o Distrito
Federal, os governadores eleitos em 1994 voltam a introduzir a eleição direta,
em cumprimento a suas plataformas de governos ou a promessas feitas em suas
campanhas eleitorais. O fato, aliás, de os políticos passarem a inscrever em
suas plataformas eleitorais o compromisso com a eleição de diretores indica sua
sensibilidade para algo que passou a fazer parte dos desejos de parcelas da
população envolvidas com a gestão da escola pública. Este parece ser mais um
resultado positivo do movimento em torno da eleição de diretores que se
verificou a partir de inícios da década de 80: o de inscrever-se no imaginário
dessas parcelas da
população
a escolha democrática de diretores escolares como um valor positivo e como um
direito a ser reivindicado.
Mas,
como toda inovação, a perspectiva de introdução da via eletiva para escolha de
diretores escolares provoca grande número de expectativas nos sujeitos
envolvidos, muitas delas impossíveis de serem realizadas. Por isso, é importante
ter presente algumas limitações apontadas pela prática. A seguir comentarei
como se manifestaram, nas experiências examinadas, os limites das eleições de
diretores com respeito a algumas expectativas que se tinha a seu respeito.
Um
dos principais argumentos para a implantação das eleições de diretores
fundamenta-se na crença na capacidade do sistema eletivo de neutralizar as
práticas tradicionalistas calcadas no clientelismo e no favorecimento pessoal,
que inibem as posturas universalistas reforçadoras da cidadania. A esse
respeito, parece que as eleições tiveram um importante papel na diminuição ou
eliminação, nos sistemas em que foram adotadas, da sistemática influência dos
agentes políticos (vereadores, deputados, prefeitos, cabos eleitorais etc.) na
nomeação do diretor.
Mas, isso não significa que o clientelismo tenha deixado
de exercer suas influências na escola. Por um lado, em alguns sistemas
continuaram a existir brechas para a penetração da influência do agente
político na nomeação do diretor; por outro, as práticas clientelistas passaram
a fazer parte também do interior da própria escola, quer no processo de eleição
do diretor, quer durante o exercício de seu mandato.
Certa
permanência da influência político-partidária verificou-se especialmente nos
sistemas em que a eleição se deu por lista tríplice, com a escolha definitiva
de um dos três nomes ficando por conta do poder executivo. No Estado do Paraná,
nas eleições de 1983, Zabot (1984, p. 89) refere-se às "inúmeras
iniciativas dos grupos de pressão interessados na nomeação de determinados
candidatos." Também no Município de Goiânia, Canesin (1993, p. 127-128)
reporta as "marcas profundas no clientelismo" presente nas primeiras
eleições, práticas também referidas em Dourado (1990, p. 123).
Mas
não só nos locais em que havia a escolha por lista tríplice esteve presente a
pressão clientelista. Especialmente nas primeiras eleições, os agentes
políticos não desistem de tentar fazer valerem seus interesses clientelistas. É
o caso, por exemplo, do Estado de Minas Gerais onde, apesar da existência de
regras bem definidas e divulgadas, ainda houve assédio de políticos para
burlá-las. (Mello & Silva, 1994, p. 32)
Uma peculiar forma de intervir movido por interesses
clientelistas é a praticada por certos agentes políticos que, alijados, pelo
sistema eletivo, de sua anterior oportunidade de influir diretamente na
nomeação dos dirigentes escolares, prevalecem-se de sua experiência política
para influenciar no próprio processo de eleição que se dá na unidade escolar.
Calaça, em estudo realizado na rede municipal de ensino de Goiânia, dá conta de
práticas desse tipo na eleição de 1984, nesse município, ao informar que
"alguns candidatos patrocinados por vereadores distribuíram santinhos,
calendários e camisetas e prometeram favores em troca de votos." (Calaça,
1993, p. 88)
Todavia,
as experiências mostraram que havia mais otimismo do que realismo nessas
previsões. Numa apreciação dessa questão no Distrito Federal, após as eleições,
no período de 1985 a 1988, Couto (1988, p. 145) constata a falta de avanços na
participação dos vários segmentos escolares na escola de modo a implicar a
distribuição do poder. Em Vitória, segundo técnicas da Secretaria de Educação,
apesar dos avanços, ainda há muita reclamação a respeito do diretivismo e do
autoritarismo do diretor. Em Goiânia, Dourado (1990, p. 136) também constata a
resistência de professores e diretores em aceitar as tentativas de se
instalarem Grêmios Estudantis e "outros canais de participação na
escola."
Finalmente,
uma importante característica das eleições é que, como todo processo de
democracia, a participação e o envolvimento das pessoas enquanto sujeitos na
condução das ações é apenas uma possibilidade, não uma garantia. Especialmente
em sociedades com fortes marcas tradicionalistas, sem uma cultura desenvolvida
de participação social, é muito difícil conseguir-se que os indivíduos não
deleguem a outros aquilo que faz parte de sua obrigação enquanto sujeito
partícipe da ação coletiva. No caso da escola pública, as reclamações,
especialmente de diretores, dão conta de que a eleição do dirigente acaba, em
grande medida, significando não a escolha de um líder para a coordenação do
esforço humano coletivo na escola, mas muito mais uma oportunidade de jogar
sobre os ombros do diretor toda a responsabilidade que envolve a prática
escolar. Dourado (1990, p. 139) refere-se a esse tipo de situação como a uma
redução do processo democrático a "mera delegação de poderes" e
Holmesland et al. (1989, p. 138) consideram que "o diretor de escola
pública, mesmo eleito, é um indivíduo que tende a sentir-se desacompanhado,
desprotegido, solitário."